É
de entendimento geral que os homens não têm o conhecimento da verdade absoluta.
Nessa linha de pensamento os homens podem tentar chegar a tal conhecimento por
meio da hermenêutica, que se trata de um ramo da filosofia que faz a
interpretação de textos religiosos, filosóficos ou do direito. Entretanto, como
qualquer outra ciência, a hermenêutica também possui suas falhas, pois leva o
interprete a ter conclusões que podem não se assemelhar com a do autor¹.
Por esse motivo, é importante estudar as formas de atuação da hermenêutica e a
sua atuação prática, que se trata da argumentação. Inclusive, tal expressão vem
do latim argumentum cujo significado principal é “fazer brilhar” ou
“iluminar”, convém sobremaneira, citar Penteado (1980, p. 233), a quem afirma
que “argumentar é discutir, mas principalmente, é raciocinar, é deduzir e
concluir”. Para tanto,
cabe ressaltar alguns tipos de argumentação jurídica, estes correspondem aos
modelos citados abaixo:
·
O
modelo inferência racional se trata do juiz definir as regras, no entanto ele não
deve incorporar preferências pessoais no processo [COSTA, 2007, pp.34-36];
·
O
modelo imperativista que consiste em buscar as ideias do autor da lei para que
haja menos interpretações possível [COSTA, 2007, pp. 36-37];
·
O
modelo histórico originalista corresponde na busca do contexto original da lei
e a sua intenção ao ser promulgada [COSTA, 2007, pp. 37-38];
·
O
modelo histórico atualizador se trata de atualizar a lei a um contexto atual,
por exemplo, uma lei que foi criada na década de setenta deve ser alterada para
atingir as necessidades da década atual [COSTA, 2007, pp. 38-39];
·
O
modelo sistemático refere-se ao seguimento de uma linha de raciocínio contínuo
[COSTA, 2007, pp. 39-41];
·
O
modelo sistemático constitucionalista se trata em seguir as leis estritamente,
conforme elas estão escritas sem que haja qualquer tipo de interpretação [COSTA,
2007, pp. 41-43];
·
O
modelo formalista consiste na vontade dos juízes em conjunto com a
constituição, ou seja, os juízes devem aplicar as normas com base nas leis,
todavia por serem humanos os juízes tendem acrescentar seus ideais à norma [COSTA,
2007, pp. 43-44];
·
O
modelo intersubjetivo corresponde à criação de argumentos concretos para convencer
a sociedade de seus argumentos. Sendo assim, o juiz deve usar da jurisprudência
e argumentos racionais para dar consistência à sua [COSTA, 2007, pp. 44-45];
·
O
modelo analítico remete à decisão de normas pelos juízes sem que haja uma
preocupação com a sociedade, entretanto os argumentos devem atender os critérios
do direito [COSTA, 2007, pp. 45-47].
Diante
disso, torna-se notório que há modelos argumentativos que defendem a constituição
e também existem modelos de argumentação que vão de encontro à constituição. Os
favoráveis à constituição são chamados de “constitucionalistas”, essa corrente
foi fundada, após a Segunda Guerra Mundial, para evitar que líderes agissem de
modo irresponsável. Sendo assim, foi necessária a criação de constituições que previssem
os direitos e defendessem a dignidade dos homens [ATIENZA, pp. 10-11].
Deste
modo, atualmente os juristas se preocupam cada vez mais com os aspectos da argumentação,
tendo em vista que há uma maior exigência em termos qualitativos e
quantitativos dos órgãos públicos. Além disso, com a instauração da democracia
houve uma necessidade de que mais cidadãos argumentassem racionalmente e
competentemente para atingir a vontade comum [ATIENZA, p. 3].
Sobretudo,
a fim de obtermos uma melhor análise sobre os variados tipos de argumentação,
convém citar o caso que ocorreu no dia 03/12/2008, em que o Supremo Tribunal
Federal (STF) julgou a RE 349703, que se trata da prisão por dívidas. Nesse sentido,
o STF teve seu posicionamento baseado na tese de que os tratados internacionais
sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil – como a Convenção Americana de
Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que proíbe a prisão por
dívida, são “supralegais”, ou seja, pactos internacionais são hierarquicamente
superiores às normas Infraconstitucionais².
Todos
os juízes fazem o uso da argumentação jurídica para efetivar suas teorias. O
ministro Moreira Alves e Sydney Sanches, os quais concordaram em considerar legítima
a prisão do depositário infiel. Inclusive, o ministro Sydney citou a
jurisprudência do STF que já legitimou, em outras ocasiões, a prisão deste tipo
de situação. Eles; portanto, aproximaram do modelo sistemático
constitucionalista, visto que propõe o seguimento estrito da lei³.
No entanto, os Ministros Ilmar Galvão e Gilmar Mendes protagonizam os votos do Recurso
Extraordinário e fazem suas argumentações de modo a explicar suas em que não
reconhecem o RE 349703.
Neste sentido, o voto do ministro Ilmar Galvão é
favorável ao depositário infiel, sendo assim seu voto defendia que o Pacto de São José da
Costa Rica deveria prevalecer em relação à constituição, uma vez que o acordo
que melhor defender os direitos do homem tem que prevalecer considerando, pois,
a Carta de 88 no artigo 4°4.
Deste modo, o juiz continua sua argumentação mediante a uma lógica histórica
dos direitos humanos para então fundamentar a importância de tais considerações 5
.Torna-se evidente que, o ministro utilizou o modo de
argumentação intersubjetivo pelo qual intencionou provar que o devedor não deve
ser preso, tanto que predominou desde o início do seu voto um viés racional
expresso em uma estratégia de argumento concreto dos fatos. Desta maneira, o
tipo de argumentação que ele usou não seguiu estritamente o ideal da
constituição, presente no inciso LVII do artigo 5o, o qual prevê a prisão civil
do depositário infiel. Entretanto, citou o próprio texto da constituição
localizado no 2º parágrafo do artigo 5º, em que consiste na afirmação em que considera
as normas dos tratados internacionais sobre os direitos humanos com status
constitucional.
Assim sendo, fica claro, portanto, que o ministro Ilmar Galvão fez o uso da
racionalidade e da sua capacidade argumentativa para provar que a prisão do
depositário infiel não é legitimo. Concluiu, pois, que o Pacto de São José da
Costa Rica de fato revogou o que era expressamente permitida na constituição.
Ainda assim, no Relatório Extraordinário analisado,
o ministro Gilmar Mendes, tal como o ministro Ilmar Galvão, também defende que
o depositário infiel não deve ser preso. Todavia, o ministro utiliza de
argumentos diferentes em comparação aos do ministro Ilmar Galvão.
Primeiramente, apresentou a controvérsia do caso e enfatizou a discussão
hierárquica normativa entre os tratados internacionais e a Constituição. Além
disso, o ministro Gilmar afirma que a constituição é superior em relação a
tratados internacionais, entretanto, tratados internacionais são superiores à
legislação interna6.
Desse modo ele fez o uso da argumentação sistemática,
uma vez que ela prevê uma hierarquia conceptual abstrata. Sobretudo, ele
fundamentou seu raciocínio listando quatro vertentes que discorre sobre o
status normativo dos tratados internacionais: o reconhecimento do caráter supraconstitucional;
natureza constitucional; status ordinário e a que ele concorda considera os
tratados com a atribuição de caráter supralegal. Esta última considera que os
tratados não podem confrontar a Constituição, porém possuem lugar reservado no
ordenamento jurídico. Torna-se evidente,
portanto, que o respectivo ministro fez o uso de argumentos lógicos que podem
ser provados (SANTARÉM, p. 21).
Tal como a questão
do Depositário Infiel, existe diversos casos que se assemelham a esse, no que
tange o caso de duas normas que possuem finalidades distintas, ao redor do
mundo. Desta maneira, diversos pensadores estudaram soluções para essas questões,
vale destacar, sobretudo, dois autores de destaque Hans Kelsen e Robert Alexy.
Um dos mais
importantes teóricos do direito foi Hans Kelsen. Para ele “quando se trata de
normas, todavia, a existência de um conflito não pode ser resolvida por
princípios lógicos, mas unicamente por uma terceira norma que derrogue uma das
normas conflitantes. Diante disso, a validade de uma norma não implica
necessariamente que outra norma que a ela seja contraditória seja
inválida. As fórmulas tradicionalmente utilizadas para a solução de
conflitos normativos, tais como as proposições de que as normas
hierarquicamente superiores derrogam as inferiores, que a norma posterior
derroga a anterior ou de que a norma especial derroga a norma geral, não
configuram aplicação de princípios lógicos, mas aplicação de normas jurídicas
existentes no direito positivo, ainda que não prevista expressamente na lei,
sendo apenas pressuposta pelo legislador” (FREITAS, 2008). Sendo assim, Kelsen
acreditava que o legislador tem o papel de utilizar da razão e principalmente
da vontade para concretizar a norma e também afirmava que a aplicação do
direito é a tomada de decisão política [COSTA, 2007, pp. 43]
Outro teórico que se destacou no
ambiente jurídico foi Robert Alexy. Diferentemente de Kelsen que acreditava que
as normas se concretizam com a vontade do legislador, Alexy acreditava que a
lógica era capaz de gerar argumentos ‘corretos’. Sendo assim, ‘as condições
para a racionalidade da dogmática jurídica e, portanto, das decisões judiciais,
seriam dadas pela teoria do discurso, uma teoria procedimental segundo a qual
“uma decisão é correta quando o resultado do processo pode ser definido
pelas regras do discurso” (FREITAS, 2008).
O direito não deve
ser visto apenas como um produto acabado, que se reduz a normas criadas por uma
ação legislativa, o direito deve ser visto como uma forma de resolver casos
difíceis, de forma a melhor atender o Estado Democrático de Direito. Por esse
motivo a argumentação jurídica é essencial para o direito moderno, uma vez que
por meio dela o jurista consegue compartilhar sua teoria e efetivá-la.
Referências
Bibliográficas
ATIENZA, Manuel.
Curso de Argumentação Jurídica.
Disponível em: https://www.academia.edu/19199530/ATIENZA_Curso_de_Argumentacion_Juridica_Capitulo_I
COSTA,
Alexandre Araújo. Razão e função judicial
na hermenêutica jurídica. Publicado na Revista dos
Estudantes de Direito da UnB (REDUnB), n. 6, 2007.
FREITAS,
Márcio Luiz Coelho. Lógica jurídica, argumentação e racionalidade, 2012.
SANTARÉM,
Ângela Maria Cavalcante Zanetti. Interpretação
logico-sistemática do Direito, 2014.
Notas
¹Ângela Maria
Cavalcante Zanetti Santarém. Interpretação
logico-sistemática do Direito, pp. 2-3.
² Disponível em:
http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/depositario-infiel-nao-deve-mais-ser-preso-diz-stf-bba26ewjnkgkz5n2rgjjnh172
³ ⁴ RE 349703: voto do Ilmar
Galvão, p. 11
⁵⁶ RE 349703: voto do Gilmar Mendes,
p. 66
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