Trabalho II - Tipos de Argumentação (RE 349703)




É de entendimento geral que os homens não têm o conhecimento da verdade absoluta. Nessa linha de pensamento os homens podem tentar chegar a tal conhecimento por meio da hermenêutica, que se trata de um ramo da filosofia que faz a interpretação de textos religiosos, filosóficos ou do direito. Entretanto, como qualquer outra ciência, a hermenêutica também possui suas falhas, pois leva o interprete a ter conclusões que podem não se assemelhar com a do autor¹. Por esse motivo, é importante estudar as formas de atuação da hermenêutica e a sua atuação prática, que se trata da argumentação. Inclusive, tal expressão vem do latim argumentum cujo significado principal é “fazer brilhar” ou “iluminar”, convém sobremaneira, citar Penteado (1980, p. 233), a quem afirma que “argumentar é discutir, mas principalmente, é raciocinar, é deduzir e concluir”. Para tanto, cabe ressaltar alguns tipos de argumentação jurídica, estes correspondem aos modelos citados abaixo:
·                    O modelo inferência racional se trata do juiz definir as regras, no entanto ele não deve incorporar preferências pessoais no processo [COSTA, 2007, pp.34-36];
·                    O modelo imperativista que consiste em buscar as ideias do autor da lei para que haja menos interpretações possível [COSTA, 2007, pp. 36-37];
·                    O modelo histórico originalista corresponde na busca do contexto original da lei e a sua intenção ao ser promulgada [COSTA, 2007, pp. 37-38];
·                    O modelo histórico atualizador se trata de atualizar a lei a um contexto atual, por exemplo, uma lei que foi criada na década de setenta deve ser alterada para atingir as necessidades da década atual [COSTA, 2007, pp. 38-39];
·                    O modelo sistemático refere-se ao seguimento de uma linha de raciocínio contínuo [COSTA, 2007, pp. 39-41];
·                    O modelo sistemático constitucionalista se trata em seguir as leis estritamente, conforme elas estão escritas sem que haja qualquer tipo de interpretação [COSTA, 2007, pp. 41-43];
·                    O modelo formalista consiste na vontade dos juízes em conjunto com a constituição, ou seja, os juízes devem aplicar as normas com base nas leis, todavia por serem humanos os juízes tendem acrescentar seus ideais à norma [COSTA, 2007, pp. 43-44];
·                    O modelo intersubjetivo corresponde à criação de argumentos concretos para convencer a sociedade de seus argumentos. Sendo assim, o juiz deve usar da jurisprudência e argumentos racionais para dar consistência à sua [COSTA, 2007, pp. 44-45];
·                    O modelo analítico remete à decisão de normas pelos juízes sem que haja uma preocupação com a sociedade, entretanto os argumentos devem atender os critérios do direito [COSTA, 2007, pp. 45-47].
Diante disso, torna-se notório que há modelos argumentativos que defendem a constituição e também existem modelos de argumentação que vão de encontro à constituição. Os favoráveis à constituição são chamados de “constitucionalistas”, essa corrente foi fundada, após a Segunda Guerra Mundial, para evitar que líderes agissem de modo irresponsável. Sendo assim, foi necessária a criação de constituições que previssem os direitos e defendessem a dignidade dos homens [ATIENZA, pp. 10-11].
Deste modo, atualmente os juristas se preocupam cada vez mais com os aspectos da argumentação, tendo em vista que há uma maior exigência em termos qualitativos e quantitativos dos órgãos públicos. Além disso, com a instauração da democracia houve uma necessidade de que mais cidadãos argumentassem racionalmente e competentemente para atingir a vontade comum [ATIENZA, p. 3].
Sobretudo, a fim de obtermos uma melhor análise sobre os variados tipos de argumentação, convém citar o caso que ocorreu no dia 03/12/2008, em que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a RE 349703, que se trata da prisão por dívidas. Nesse sentido, o STF teve seu posicionamento baseado na tese de que os tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil – como a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que proíbe a prisão por dívida, são “supralegais”, ou seja, pactos internacionais são hierarquicamente superiores às normas Infraconstitucionais².
Todos os juízes fazem o uso da argumentação jurídica para efetivar suas teorias. O ministro Moreira Alves e Sydney Sanches, os quais concordaram em considerar legítima a prisão do depositário infiel. Inclusive, o ministro Sydney citou a jurisprudência do STF que já legitimou, em outras ocasiões, a prisão deste tipo de situação. Eles; portanto, aproximaram do modelo sistemático constitucionalista, visto que propõe o seguimento estrito da lei³. No entanto, os Ministros Ilmar Galvão e Gilmar Mendes protagonizam os votos do Recurso Extraordinário e fazem suas argumentações de modo a explicar suas em que não reconhecem o RE 349703.
Neste sentido, o voto do ministro Ilmar Galvão é favorável ao depositário infiel, sendo assim seu voto defendia que , a n ecer o so Pacto de São José da Costa Rica deveria prevalecer em relação à constituição, uma vez que o acordo que melhor defender os direitos do homem tem que prevalecer considerando, pois, a Carta de 88 no artigo 4°4. Deste modo, o juiz continua sua argumentação mediante a uma lógica histórica dos direitos humanos para então fundamentar a importância de tais considerações 5
.Torna-se evidente que, o ministro utilizou o modo de argumentação intersubjetivo pelo qual intencionou provar que o devedor não deve ser preso, tanto que predominou desde o início do seu voto um viés racional expresso em uma estratégia de argumento concreto dos fatos. Desta maneira, o tipo de argumentação que ele usou não seguiu estritamente o ideal da constituição, presente no inciso LVII do artigo 5o, o qual prevê a prisão civil do depositário infiel. Entretanto, citou o próprio texto da constituição localizado no 2º parágrafo do artigo 5º, em que consiste na afirmação em que considera as normas dos tratados internacionais sobre os direitos humanos com status constitucional.  
Assim sendo, fica claro, portanto, que o ministro Ilmar Galvão fez o uso da racionalidade e da sua capacidade argumentativa para provar que a prisão do depositário infiel não é legitimo. Concluiu, pois, que o Pacto de São José da Costa Rica de fato revogou o que era expressamente permitida na constituição.
Ainda assim, no Relatório Extraordinário analisado, o ministro Gilmar Mendes, tal como o ministro Ilmar Galvão, também defende que o depositário infiel não deve ser preso. Todavia, o ministro utiliza de argumentos diferentes em comparação aos do ministro Ilmar Galvão. Primeiramente, apresentou a controvérsia do caso e enfatizou a discussão hierárquica normativa entre os tratados internacionais e a Constituição. Além disso, o ministro Gilmar afirma que a constituição é superior em relação a tratados internacionais, entretanto, tratados internacionais são superiores à legislação interna6.
Desse modo ele fez o uso da argumentação sistemática, uma vez que ela prevê uma hierarquia conceptual abstrata. Sobretudo, ele fundamentou seu raciocínio listando quatro vertentes que discorre sobre o status normativo dos tratados internacionais: o reconhecimento do caráter supraconstitucional; natureza constitucional; status ordinário e a que ele concorda considera os tratados com a atribuição de caráter supralegal. Esta última considera que os tratados não podem confrontar a Constituição, porém possuem lugar reservado no ordenamento jurídico.  Torna-se evidente, portanto, que o respectivo ministro fez o uso de argumentos lógicos que podem ser provados (SANTARÉM, p. 21).
Tal como a questão do Depositário Infiel, existe diversos casos que se assemelham a esse, no que tange o caso de duas normas que possuem finalidades distintas, ao redor do mundo. Desta maneira, diversos pensadores estudaram soluções para essas questões, vale destacar, sobretudo, dois autores de destaque Hans Kelsen e Robert Alexy.
Um dos mais importantes teóricos do direito foi Hans Kelsen. Para ele “quando se trata de normas, todavia, a existência de um conflito não pode ser resolvida por princípios lógicos, mas unicamente por uma terceira norma que derrogue uma das normas conflitantes. Diante disso, a validade de uma norma não implica necessariamente que outra norma que a ela seja contraditória seja inválida.  As fórmulas tradicionalmente utilizadas para a solução de conflitos normativos, tais como as proposições de que as normas hierarquicamente superiores derrogam as inferiores, que a norma posterior derroga a anterior ou de que a norma especial derroga a norma geral, não configuram aplicação de princípios lógicos, mas aplicação de normas jurídicas existentes no direito positivo, ainda que não prevista expressamente na lei, sendo apenas pressuposta pelo legislador” (FREITAS, 2008). Sendo assim, Kelsen acreditava que o legislador tem o papel de utilizar da razão e principalmente da vontade para concretizar a norma e também afirmava que a aplicação do direito é a tomada de decisão política [COSTA, 2007, pp. 43]
Outro teórico que se destacou no ambiente jurídico foi Robert Alexy. Diferentemente de Kelsen que acreditava que as normas se concretizam com a vontade do legislador, Alexy acreditava que a lógica era capaz de gerar argumentos ‘corretos’. Sendo assim, ‘as condições para a racionalidade da dogmática jurídica e, portanto, das decisões judiciais, seriam dadas pela teoria do discurso, uma teoria procedimental segundo a qual “uma decisão é correta quando o resultado do processo pode ser definido pelas regras do discurso” (FREITAS, 2008).
O direito não deve ser visto apenas como um produto acabado, que se reduz a normas criadas por uma ação legislativa, o direito deve ser visto como uma forma de resolver casos difíceis, de forma a melhor atender o Estado Democrático de Direito. Por esse motivo a argumentação jurídica é essencial para o direito moderno, uma vez que por meio dela o jurista consegue compartilhar sua teoria e efetivá-la.

Referências Bibliográficas
ATIENZA, Manuel. Curso de Argumentação Jurídica. Disponível em: https://www.academia.edu/19199530/ATIENZA_Curso_de_Argumentacion_Juridica_Capitulo_I
COSTA, Alexandre Araújo. Razão e função judicial na hermenêutica jurídica. Publicado na Revista dos Estudantes de Direito da UnB (REDUnB), n. 6, 2007.
FREITAS, Márcio Luiz Coelho. Lógica jurídica, argumentação e racionalidade, 2012.
SANTARÉM, Ângela Maria Cavalcante Zanetti. Interpretação logico-sistemática do Direito, 2014.

Notas
¹Ângela Maria Cavalcante Zanetti Santarém. Interpretação logico-sistemática do Direito, pp. 2-3. 
² Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/depositario-infiel-nao-deve-mais-ser-preso-diz-stf-bba26ewjnkgkz5n2rgjjnh172
³ ⁴ RE 349703: voto do Ilmar Galvão, p. 11
⁵⁶ RE 349703: voto do Gilmar Mendes, p. 66

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