Cassação
da chapa Dilma-Temer e a politização do judiciário brasileiro.
Direito e política: uma combinação
legítima?
É em meio a um panorama
político caótico, à instabilidade social, à divisão radical da opinião pública
e a um sentimento geral de descrença quanto às questões que concernem a nação
brasileira que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no dia 6 de junho de 2017, retomou o julgamento que poderia resultar na cassação da chapa Dilma-Temer.
Esse julgamento,
evidentemente, foi centro das atenções no cenário político enquanto estava em curso,
haja vista a relevância que a decisão teria para o futuro político do país. O
ministro Gilmar Mendes, presidente do TSE, abriu a sessão e, em seguida, o
relator do caso ministro Herman Benjamin prontamente declarou como improcedente
uma das ações apresentadas pelo PSDB que requisitam a cassação da chapa em
questão ¹.
Durante a leitura do
resumo do caso, o relator listou as alegações do PSDB, que é o autor da ação, nas quais o partido considerou presente abuso de poder
político e econômico na campanha de 2014 ¹.
Antes da votação final,
na qual seriam decididos os votos dos sete ministros, o tribunal debruçou-se
sobre algumas questões preliminares que envolviam a procedência da utilização
das provas que foram apresentadas depois de iniciada a ação no Tribunal
Superior Eleitoral ¹.
Mesmo com a decisão
anterior do tribunal, feita em 2014 quando a ação foi apresentada pelo PSDB, de
que, com base no artigo 23 que trata das Leis das Inelegibilidades, as provas
que foram apresentadas posteriormente ao início da ação poderiam ser aceitas e
consideradas no voto final dos ministros; o advogado do PT, Flávio Caetano, ao
fazer um contraponto com o advogado do PSDB, alega que não deveriam ser
trazidas novas informações para o processo porque essas informações abrangiam
assuntos que iam além do objeto inicial da ação e que, se desconsideradas essas
novas informações, não haveria motivo para a cassação de Dilma Rousseff ¹.
O advogado também alegou
que os delatores mentiram para a Justiça Eleitoral, e por fim que não deveria ser possível separar o caso do presidente Michel Temer do caso da ex-presidente
Dilma Rousseff porque a Constituição une a chapa eleitoral e que se houver
punição, ela deve valer para ambos os lados ¹.
Em oposição ao
argumento anterior, o advogado do presidente Michel Temer, Marcus Vinicius
Furtado Coelho,
alegou que não se pode julgar o presidente e a ex-presidente juntamente já que
são casos separados, portanto contas separadas durante a campanha eleitoral ¹.
O procurador eleitoral
Nicolau Dino ao pedir
cassação da chapa Dilma-Temer, alega que o pedido para ouvir os delatores veio após a
homologação da delação e não antes do vazamento das delações. Acrescentou
também que nessa etapa o juiz fez o que é obrigação dele, produziu provas ¹.
Essa variedade de
visões foi claramente retratada durante a posterior votação dos ministros
responsáveis pela decisão do caso. A votação empatou com o voto da ministra
Rosa Weber, e por isso coube ao ministro Gilmar mendes desempatar a votação.
Ele decidiu inocentar a chapa alegando que o caso é peculiar e que “não se substitui
um presidente da República a toda hora, ainda que se queira” ²
É importante destacar
do comentário do ministro Gilmar Mendes o caráter condenatório de sua posição
em relação quanto ao processo como um todo. Uma análise leiga pode revelar a
opinião do ministro quanto ao processo. As posições dos advogados de cada parte
também são
claramente políticas, claramente movidas
por um interesse maior das respectivas partes as quais eles representam.
Por isso, Roberto
Garcia Simões, professor da Ufes e especialista em políticas públicas, ao
escrever sobre o processo em um pequeno texto de opinião no Gazeta Online, questiona-se sobre a relação entre a judicialização da política e a politização
do Judiciário. Para ele o processo de cassação da chapa apenas intensifica a
percepção de que há vários pesos e várias medidas; “A politização do Judiciário
galopa”. Segundo Simões, o professor Rubens Glezer (FGV Direito – SP,
coordenador do “Supremo em Pauta”) aponta que essa sessão do TSE possui cinco
“elementos que comprometem a legitimidade do discurso jurídico, que independe
em grande parte do resultado, mas de decisões bem ordenadas e fundamentadas em
boas razões”. Seriam esses cinco elementos:
a)
“um ministro que em 2015 aceitava todo o tipo de prova para a condenação e em
2017 reivindica a parcimônia do Judiciário”; b) “de um dos ministros declarar
guerra ao Ministério Público Federal por trazer ao tribunal um questionamento
sobre a imparcialidade de um de seus membros”; c) “a desmoralização pontual das
delações premiadas” d) “as provocações, insinuações e embates destemperados
entre ministros; e e) “acima de tudo, a impressão de que ninguém estaria
disposto a julgar diferente em razão de qualquer fato, prova, argumento ou
raciocínio apresentado durante o julgamento” – Rubens Glezer ³.
Glezer ainda arremata
que “o ambiente do julgamento lembrava muito mais o Congresso Nacional do que o
Judiciário”. Isso claramente denota a perspectiva, que na visão de Simões é
“preocupante e atemorizante”, de que há certamente uma politização das
instituições que deveriam estar sob a Lei, “autos” e “provas” e de um ritual
diferente do parlamentar ³.
É nesse sentido que a
discussão sobre a relação entre política e direito entra em destaque. Visto o
caráter aparentemente político das decisões e dos pronunciamentos dos ministros
envolvidos na votação, com destaque para o ministro Gilmar Mendes, a política
como intrínseca às decisões judiciais é posta em questionamento. Seria o
direito permeado pela política?
O senso comum, de
acordo com o afirmado no artigo do professor Alexandre Araújo Costa, tende a
atribuir ao Judiciário a função de aplicar o Direito elaborado pela Política; o
judiciário seria, nessa perspectiva, uma organização neutra que aplicaria o
direito de maneira imparcial (COSTA, 2013, p. 11).
A separação da política e do direito, nessa
linha de pensamento, é tida como essencial no Estado constitucional
democrático. A política é pautada pela soberania popular e pelo princípio
majoritário: o domínio da vontade. O direito, em contrapartida, seria o primado
da lei (the rule of law) e do
respeito aos direitos fundamentais: o domínio da razão. Assim, na
aplicação do direito, a separação estabelecida com a política seria tida como
possível e desejável; uma ideia potencializada por uma visão formalista do
fenômeno jurídico (BARROSO, 2012, p. 15-16).
No entanto, é comum a
percepção de que o judiciário tem ultrapassado sua autoridade constitucional,
porque, em vez de interpretar, ele tem elaborado normas sob o pretexto de
aplicá-las. Isso, vale ressaltar, pode ou não ser uma coisa ruim. (COSTA,
2013, p.11).
Segundo Costa, a ação
do judiciário não pode ser limitada a uma simples exposição daquilo que está
implícito nos textos e isso não significa que o ativismo judicial representa
uma distorção da atividade judicial e que decisões ativistas “representam uma
violação ao regime democrático e aos princípios constitucionais da soberania popular
e da separação de poderes (FONTELES, 2011)” (COSTA, 2013, p. 12).
É dentro dessa linha de
pensamento que os professores José Einsenberg e Thamy Pogrebinschi afirmam que
uma linhagem de autores que estiveram em intensa atividade a partir de 1920,
destacando-se entre eles Oliver Wendell Holmes, Roscoe Pound e Benjamin
Cardozo, inovaram a teoria jurídica ao apresentar um conceito de direito como puramente instrumental*, no qual o
direito se sujeita às necessidades humanas. Esses autores propugnavam que as
próprias regras jurídicas deveriam ser entendidas em termos instrumentais, o
que implicaria em contestabilidade,
revisabilidade e mutabilidade. O direito teria
então, como causa final, o bem-estar da sociedade (EINSENBERG; POGREBINSCHI,
2002, p. 108).
Nesse sentido “ao
perguntar-se ‘como funciona o direito’, o pragmatismo responde apontando para
uma heterogeneidade de recursos utilizados pelo direito a fim de produzir
resoluções políticas* para disputas
que precisam ser formatadas em termos apolíticos
e abstratos*” (EINSENBERG; POGREBINSCHI, 2002, p. 109). Um juiz pragmatista
poderia ser considerado um criador do direito já que, ao decidir, ele torna-se
servo das necessidades humanas e sociais priorizando as possíveis consequências
de seu julgamento (EINSENBERG; POGREBINSCHI, 2002, p. 109-110).
Por isso, a politização
do Judiciário, por meio do ativismo judicial, pode apresentar-se, ao mesmo
tempo, como causa e consequência da judicialização da política. O
instrumentalismo associado ao pragmatismo do direito legitima tanto a
judicialização da política quanto a politização do Judiciário, pois, retira o
problema de avaliar a validade da dimensão institucional e coloca-o no plano
mais político da moralidade dos fins na ação dos juízes (EINSENBERG;
POGREBINSCHI, 2002, p. 121).
Mesmo que para blindar
a atuação judicial da influência da política, a cultura jurídica tradicional
tenha utilizado de diversos instrumentos como a independência do Judiciário em
relação aos órgãos propriamente políticos de governos e a vinculação ao direito
que consiste na determinação da ação dos juízes pela Constituição e pelas leis;
é difícil exigir uma postura politicamente neutra dos magistrados porque o
Judiciário é uma instituição que aplica o direito e por isso não pode ser considerada
científica, principalmente porque o direito em dado ponto de vista tem como
finalidade última o bem-estar social. Assim o caráter político do direito é
expressamente reconhecido, a exemplo da afirmação contida na Teoria Pura do
Direito de Kelsen na qual “a interpretação feita pelo órgão aplicador do
direito é sempre autêntica” (BARROSO, 2012, p. 18; COSTA, 2012, p. 12;
EINSENBERG & POGREBINSCHI, 2002, p. 108).
Assim, exemplos
numerosos de judicialização da política ilustram a fluidez entre política e
justiça no mundo contemporâneo, dentre esses exemplos o caso do TSE. Nem sempre
as barreiras entre criação e interpretação do direito estão nítidas ( BARROSO,
2012, p. 5). A decisão judicial de questões
políticas em si, todavia, não deve ser vista como um mal mas é necessário que
sejam avaliadas as repercussões sob a ótica de especialistas e de interessados
nos assuntos (COSTA, 2012, p. 42).
Se o problema em si não
é a relação entre política e direito já que ela é inelutável ao processo
brasileiro de atuação, o problema deve ser a forma como ela tem se dado. A
solução não seria então restringir a atuação inerentemente política do
Judiciário nos processos estatais de tomada de decisão e sim, tornar essa participação
mais eficiente para a sociedade democrática como um todo (COSTA, 2012, p. 42).
Sendo assim a
judicialização no Brasil é um fato inelutável e uma circunstância decorrente do
sistema institucional vigente, e não uma opção política do judiciário. O
ativismo judicial por outro lado, se deixadas de lado as críticas ideológicas,
está relacionado com uma participação mais acentuada na concretização de
valores constitucionais, interferindo por vezes nos outros dois poderes sendo
que frequentemente não há conflito entre eles, apenas há a ocupação de espaços
vazios; o ativismo é a escolha de um modo específico e proativo de interpretar
a Constituição; o que implica em expandir seu sentido e alcance. (BARROSO,
2012, pp. 7; 9-10).
Conclui-se a partir
disso que o papel do Judiciário é “inequivocadamente político”. O Direito,
mesmo que indubitavelmente diferente da política, tem sim uma inquestionável
ligação com ela (BARROSO, 2012, p. 11). Em acordo com o afirmado por Costa, o
primeiro passo é admitir que há um caráter político para então transformá-lo em
algo útil e legítimo (COSTA, 2012, p. 43). É importante ressaltar que, no
entanto, a exemplo caso do TSE, é preciso cautela com o nível de politização do
judiciário - julgamentos demasiadamente politizados não são bem vistos, mesmo
assim, a ligação entre direito e política é inegável.
NOTAS:
*Grifo
meu.
¹
Informações
encontradas em matéria publicada em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/06/tse-retoma-julgamento-da-acao-que-pede-cassacao-da-chapa-dilma-temer.html
acessado em 21/06/2017
²
Informações encontradas em matéria publicada em: http://g1.globo.com/politica/noticia/veja-os-votos-dos-ministros-do-tse-no-julgamento-da-chapa-dilma-temer.ghtml
acessado em 22/06/2017
³
Politização da Justiça?
Texto
presente na sessão de opinião do Gazeta Online, em artigos. In: http://www.gazetaonline.com.br/opiniao/artigos/2017/06/politizacao-da-justica-1014065509.html
acessado em 24/06/2017
Referências Bibliográficas:
COSTA, Alexandre
Araújo. Judiciário e interpretação: entre
Direito e Política. Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 1, p. 9-46, jan./abr, 2013.
BARROSO, Luís Roberto. Constituição, Democracia e Supremacia
Judicial: Direito e Política no Brasil contemporâneo. RFD- Revista da Faculdade de Direito- UERJ,
v. 2, n. 21, jan./jun, 2012.
EINSENBERG, José; POGREBINSCHI,
Thamy. Pragmatismo, Direito e Política.
Novos EstudosCEBRAP N.° 62, pp.107-121março 2002.
Comentários
Postar um comentário