Trabalho IV - Relações entre Direito e Política em "12 Homens e 1 Sentença"


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12 Homens e 1 Sentença: uma problematização do sistema de jurídico e do Estado norte-americano

O filme “12 Homens e 1 Sentença” (12 Angry Men) é um película norte-americana.  O drama, estrelado por Henry Fonda, concentra-se na discussão de 12 jurados, em um tribunal de Nova York, que precisam decidir pela condenação ou não-condenação de um jovem de 18 anos acusado de ter matado o pai à sangue frio.
A obra é uma adaptação de um programa de TV criado por Reginald Rose e é tida como um dos exemplos mais brilhantes da transposição do jurídico para a sétima arte, pois, apesar de contar com um roteiro teatral e ser um filme com final previsível, ingere elementos que dão realidade ao filme – como falhas judiciais, racismo, estereótipos, xenofobia, preconceitos de classe e também acerta ao apresentar os sentimentos de cada jurado em relação ao caso, fazendo com que a opinião de cada um seja influenciada pelas experiências das quais viveu. Para àqueles que estão assistindo o longa-metragem, pode-se sentir intimidado com a locação do filme, basicamente uma sala fechada com doze pessoas discutindo e brigando e os vários close-ups – o clima permanece tenso e recheado de suspense
Na obra, Direito e Política andam juntos em uma narrativa urbana e emocionalmente organizada. A importância da decisão não é colocada nas mãos de um juiz, mas sim de doze homens diferentes que passam uma tarde quente dentro de uma sala com os nervos à flor da pele. Montesquieu, ao descrever a parte cabível ao judiciário em sua Teoria dos Três Poderes, afirmava que o juiz era um ser inanimado, apenas um instrumento de repetição das leis e que o mesmo não era capaz de moderar a força ou rigor de suas palavras – de forma contrária, Kelsen rebatia essa abordagem alegando que tais afirmações só serviam para assegurar a o ideal de segurança jurídica e apagar o papel criativo dos juízes. (COSTA, 2001, p. 112)
No início, a questão parece fácil de ser concluída: o jovem é culpado – é o que dizem onze jurados ao entrar na sala, porém, o 8° jurado, conhecido como Davis, se opõe à constatação inicial alegando não ter uma opinião concluída, pois para ele, os fatos ainda não foram analisados corretamente – um jovem, de 18 anos, porto-riquenho que vivia sozinho com o pai alcóolatra e violento e que, em uma noite qualquer, foi encontrado morto com facadas pelo corpo. Os vizinhos, que viviam no mesmo bairro sujo, sem infraestrutura, pobre e periférico, alegaram ter escutado uma briga entre o menino e o pai e, momentos após a briga, escutaram o pai do garoto gritar e cair no chão. Assim, para a moralidade existente na sociedade dos anos de 1950 nos Estados Unidos, seria fácil condenar um jovem, latino, pobre e possivelmente violento à cadeira elétrica pela suposta morte do pai.
As questões envolvendo a famigerada verdade vêm sendo discutidas há anos por diferentes estudiosos e filósofos. Para Wittgenstein, a verdade lógica é uma afirmação que é verdadeira em todas as ocasiões possíveis, sendo contrastante com o “fato”, que só seria verdadeiro em uma ocasião específica¹. Muitas vezes, o senso comum pode traduzir a palavra “verdade” como um conceito objetivo, racional e concreto, mas as abordagens humanas a respeito de tal conceito provam que o mesmo pode ter sido construído como um mito. No Judiciário, a interpretação verdadeira dos fatos pode ser equívoca quando se tem em mente a busca pelo conhecimento objetivo, segundo Costa, tal busca é viciada pois pressupõe que a verdade é algo que pode orientar o mundo ao mesmo tempo se retira toda a responsabilidade da aplicação de tal verdade concreta (COSTA, 2007, p. 48).  Nietzsche, por sua vez, acreditava que a verdade foi criada como uma tentativa de evitar a tese de Thomas Hobbes sobre a guerra de todos contra todos e a sua principal arma é a linguagem².
Além disso, podemos analisar as abordagens entre moral e Direito escritas por Kelsen, quando o mesmo afirma que a justiça é uma exigência da moral e o Direito é diretamente ligado às exigências morais da sociedade, portando há uma relação íntima entre justiça e Direito (KELSEN, 1999 [1960], p. 53).
Logo, podemos dizer que, na mentalidade dos personagens envolvidos, existindo uma pessoa morta, vitimada por um homicídio, e o caso sendo julgado por um tribunal tendo apenas um acusado, a justiça deveria ser feita. O papel do Estado, por sua vez, é um personagem implícito em toda a trama, pois o caso se concentra em um crime ocorrido em uma situação totalmente sem estruturas, onde um jovem estrangeiro vivia sendo violentado diariamente pelo progenitor e que não recebia educação ou alimentação saudável.
Uma das “provas” mais interessantes apresentadas para incriminar o garoto é a confissão de uma senhora que vivia em um apartamento próxima a do menino. Segundo alguns jurados, uma idosa não seria capaz de mentir diante de um tribunal – sob juramento – e sabendo que estaria, praticamente, colocando o jovem porto-riquenho diante da morte. Porém, podemos tentar entender este caso a partir de uma análise um tanto quanto psicológica – novamente, apresento o dia-a-dia das pessoas envolvidas no caso (o menino, o pai morto e os vizinhos), todos viviam pobremente em um bairro famoso pela criminalidade, vivendo sem um lugar ao sol. A autora da confissão também tinha seus desvios físicos, sendo quase cega e dependente de óculos, além de precisar da ajuda de um apoio de mão para se locomover. Colocando uma pessoa nestas condições, diante de um tribunal que está julgando um caso de repercussão nacional, com fotógrafos, jornalistas, advogados e pessoas “importantes”, pode-se imaginar que alguém simples como ela, tendo seus 5 minutos de fama e importância, iria querer ajudar de alguma forma, e assim ela o fez: disse que viu a sombra do jovem ir em direção ao pai com uma faca.  Da mesma forma, não é possível esperar uma postura totalmente neutra do judiciário. O Direito não é uma ciência, mas sim uma atividade política (COSTA, 2013, p. 12).
Novamente, o 8° jurado, Davis, problematiza a confissão afirmando que seria muito difícil a senhora ter tempo de sair de sua cama, andar um corredor e chegar até a janela onde ocorreu o crime – para argumentar com mais precisão, propõe um experimento aos seus colegas, assim, tendo a planta do apartamento, eles conseguem simular a jornada da senhora até a janela, mancando e com a visão fraca. Ao fim, alguns jurados parecem estar inseguros em relação à sua opinião final.
Dessa forma, a confissão é desmascarada e torna-se um objeto que, ao contrário do senso comum, não é cem por cento concreta. Colocar uma pessoa, em qualquer situação que a mesma viva ou esteja vivendo no momento, para confessar uma possível informação que ela saiba que seja importante para a resolução de algum caso, tem as chances de sofrer influências externas – interesses, ameaças -  e internas – stress, medo, pressão psicológica, desespero – pessoas mentem e muitas vezes também podem mentir sem saber, mas sim através da ação ato-fato, onde a pessoa autônoma age de forma não-autônoma³.
Outro caso relevante e que também é interessante para os dias atuais é a xenofobia, cada dia crescente, no mundo e principalmente nos Estados Unidos. Hoje, sabemos que esse preconceito aumentou após o ataque ao World Trade Center, em 2002, de autoria do terrorista Osama Bin Laden. Graças a este episódio, milhares de pessoas morreram nas guerras entre Estados Unidos e países do Oriente Médio, como Iraque e Afeganistão. Mas, na década de 1950, este episódio ainda não tinha ocorrido e o preconceito mais comum era em relação aos latinos. Na verdade, havia um interesse e um medo em relação às pessoas oriundas da América Latina, o interesse foi muito explorado por Hollywood, tanto em críticas – como no musical “Amor, Sublime Amor”⁴ – quanto em símbolos sexuais, como a atriz americana-cubana Rachel Welch⁵.
Mas o que cabe a este texto é discutir o modo como a sociedade, em geral, via estas pessoas: como animais sem educação ou modos e, Porto Rico, é um exemplo interessante para estudar, pois, graças à Lei Jones, os habitantes da ilha têm o direito à cidadania norte-americana pelo fato de Porto Rico ser um território pertencente aos Estados Unidos. Logo, seria normal a educação civil dos estadunidenses em relação aos seus compatriotas de Porto Rico. Apesar dos fatos, não havia educação formal em relação aos “diferentes” e os mesmos sofriam com uma grande evasão escolar – assim, encontra-se um defeito na sociedade norte-americana da primeira metade do século XX: a falta de políticas públicas. Tal carência pode ser percebida ainda nos dias de hoje, onde os pensamentos e preconceitos do passado ainda existem em uma das maiores sociedades do mundo e que, recentemente com a eleição do 45° Presidente Donald Trump, sofreu com abalos ainda piores.
Voltando à análise do filme, podemos notar uma diferença no judiciário americano – baseado na Common Law – e no brasileiro, baseado na Civil Law. No Brasil, julgamos um caso a partir das leis existentes e de suas diferentes interpretações. Já o sistema americano, apesar de também haver leis, leva-se em conta a jurisprudência como forma de condenação.
Outra diferença se concentra a respeito do júri: como no filme, nos EUA há um júri popular para todo tipo de condenação e 12 jurados escolhidos devem se apresentar para tomar a decisão que deve ser unânime, porém, no Brasil, o júri só ocorre em casos especiais e é constituído de 7 pessoas, sendo que a decisão não precisa ser unânime, mas sim majoritária. Mas, será que o júri é uma alternativa confiável? No filme, vemos que os 12 jurados, todos homens, são pessoas com interesses diferentes e estilos de vida diferentes. Todos são brancos, tem como ganhar a vida, há um estrangeiro (polaco, orgulhoso da cidadania americana) e um homem que cresceu em um bairro perigoso. Cada um interpreta os fatos a sua maneira a partir de suas próprias experiências. No fim, o último jurado a decidir pela não condenação é um homem amargurado com seu filho que um dia o agrediu – jurisprudência pessoal?
Baseado nisso, podemos perceber as falhas no sistema de júri, pois, em muitos casos, as pessoas não querem estar ali ou ter o peso de decidir sobre a vida de alguém e portanto, podem chegar a conclusões precipitadas e errôneas. O juiz não se baseia em critérios racionais e quando afirma que o objetivo principal das deliberações jurídicas é a decisão final, tal decisão tem cunho e raiz política. Porém, pode-se chegar a um caminho razoável ao optar pela aplicação e interpretação certeira e contundente das normas existentes no Código daquele país (COSTA, 2007, p. 43; 46).
Ao fim, 12 Homens e 1 Sentença é um filme onde tudo se encaixa e que, talvez, esse “encaixamento” seria uma espécie de crítica a julgamentos sem profundidade e tolerância e onde o Direito e a Política caminham lado a lado ao demonstrar as falhas, as influências, os interesses e as problemáticas internas e externas do sistema de jurídico norte-americano - Contudo, essa afirmação não coloca o judiciário em um papel de total arbitrariedade, pois o processo jurídico predispõe normas e leis que devem ser seguidas para a legitimação do caso.
Bibliografia
COSTA, Alexandre A. Introdução ao Direito. 2001
COSTA, Alexandre A. Judiciário e Interpretação: Entre Direito e Política. Revista Pensar, v. 18, n°1, 2013.
COSTA, Alexandre A. Razão e Função Judicial na Hermenêutica Jurídica. Revista dos Estudantes de Direito da UnB, n°6, 2007.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999 [1960].

Notas
¹WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratado Lógico-Filosófico. 1921. Retirado de: https://pt.wikipedia.org/wiki/Verdade#cite_note-7
²NIETSZCHE, Friedrich. Sobre a Verdade e a Mentira no Sentido Extra-Moral. 1896. Retirado de: http://colunastortas.com.br/2014/05/26/3-apontamentos-sobre-a-verdade-em-nietzsche/
³Questão discutida em aula
⁴https://museumofmoderntheatre.wordpress.com/the-exhibitions/group-5/the-racism-in-west-side-story/

⁵Esta lista do imdb pode oferecer uma melhor elucidação: http://www.imdb.com/list/ls009350089/

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